Sou do interior do interior do Sergipe, assim como todos na minha família. Nasci na cidade de Lagarto (e juro que não sou uma lagartixa). Meus pais vieram a São Paulo quando eu tinha 5 anos, em busca de melhores oportunidades. Ambos são analfabetos, mas fizeram de tudo por mim e minha irmã. Fomos morar na periferia, em Americanópolis, de favor em casa de parentes. Trouxemos apenas as malas. Tenho gratidão por todo o esforço deles.
Assim que chegou meu pai conseguiu alguns “bicos”, ganhando bem pouco. Minha mãe trabalhou como empregada doméstica a vida toda. A gente só tinha dinheiro para sobreviver. Comecei a estudar e descobri que gostava muito. Sim, sou nerd assumido, e gostar de estudar me abriu muitas portas. Uma das professoras gostava muito de mim, e vendo a minha dedicação, me deu uma caixa de legos como recompensa. Cheguei em casa todo feliz por isso. Minha mãe levou a caixa de volta pra escola pra saber se eu realmente tinha ganhado o presente. Hoje percebo que essa vontade de aprender, mesmo sofrendo bullying, talvez fosse pra eu não passar pelas dificuldades que meus pais passaram.
Com 16 anos eu estava em dúvida sobre 2 áreas para seguir: Psicologia ou Engenharia. Pelo PROUNI, ganhei 100% de bolsa em Engenharia de Produção. Se não fossem as políticas públicas e os serviços de informação eu não saberia que era possível eu me formar. Passei na faculdade, mas não tinha dinheiro para ir estudar. Minha tia me emprestou o dinheiro da condução para os primeiros meses da faculdade e assim que consegui o valor, fiz questão de agradecer e devolver.
Fui efetivado em outra empresa, e nesse período comecei a sentir a falta de outras pessoas negras no ambiente de trabalho. Minha líder também percebia que ali eu não atingiria o meu potencial e me incentivava a buscar outras oportunidades. Quando estava no terceiro ano da faculdade comecei a procurar estágios novamente.
Consegui um estágio em uma grande empresa na área da Saúde. Fiquei nesta empresa por quase toda a minha experiência profissional e foi aí que comecei a trabalhar na área de Compras. O meu trabalho é garantir que a empresa tenha tudo o que precisa para funcionar. Cuido de todo o processo para que o fluxo seja simples, seguro e com um custo justo para a empresa.
Minha consciência racial estava se desenvolvendo, por isso fiz uma especialização em Diversidade. Cheguei a liderar o núcleo étnico racial da empresa.
Ao mesmo tempo eu tinha muito medo de assumir para meus pais que eu sou um homem gay. Quando os chamei para conversar não conseguia falar nada, só chorei muito. Minha mãe me abraçou, disse que eu era muito amado, que eles já imaginavam e que nada mudaria na nossa relação. Compartilhar isso com meus pais, e receber o apoio deles, me ajudou a desbloquear ainda mais meu potencial. Era algo guardado que me impedia de avançar.
Além de trabalhar como engenheiro, me envolvi com uma ONG para pessoas em situação de vulnerabilidade. O programa era de formação, e levava jovens a conhecer presidentes de grandes empresas. Trabalhei neste projeto por 5 anos, e fui de mentor a coordenador.. Desde então tenho trabalhado com ONGs.
Após minha experiência em uma grande empresa da área da saúde, eu estava disposto a me desafiar e conhecer novos espaços e ampliar minha experiência. Aceitei o convite para contribuir com a estruturação do departamento e das rotinas de compras em uma empresa do setor financeiro. Depois de algum tempo de dedicação, assumi novas responsabilidades além de Compras. Hoje conto com o apoio de mais duas pessoas para a realização das rotinas e que são pessoas pretas, com um histórico de vida muito parecido com o meu. Eu valorizo muito isso, pois o mercado financeiro ainda é um mercado majoritariamente composto por pessoas brancas. Para o futuro é isso que eu quero fazer. Continuar contribuindo para que pessoas que se parecem comigo tenham boas oportunidades.
Meu nome é Éricles Bento e sou mais uma (Se)mente.
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