Sou uma corinthiana que mora bem perto do estádio do Corinthians, a ponto de ouvir as reações da torcida durante os jogos. Minha relação com o estádio não para aí. Na minha infância, por muitos anos meu pai trabalhou como vendedor ambulante em estádios de futebol e lembro de ir com ele para ajudar a vender amendoim na arquibancada. Ainda hoje me marca um dia no Morumbi, em que senti medo por estar num lugar muito alto.
Costumo dizer que essa e outras experiências da minha infância me ajudaram a definir o que queria, ao entender primeiro o que eu não queria. Quando pensava em trabalho, eu sabia que não queria fazer algumas coisas e, a partir daquilo, pensava o que eu poderia fazer.
Desde muito cedo eu pensava na área do Direito. Já na quinta série, comecei a cogitar essa possibilidade, mas era uma hipótese, que demorou até o ensino médio para se consolidar na minha mente. Meu pai – que era um grande incentivador dos nossos estudos – faleceu no ano em que prestei vestibular pela primeira vez. No semestre seguinte, consegui uma bolsa de 100%, que foi fundamental para que eu conseguisse estudar, já que minha família não tinha como pagar.
Na faculdade de Direito, entendi que queria atuar com a área trabalhista. No meio do curso, comecei a trabalhar em uma grande instituição financeira.
Costumo dizer que, mesmo tendo vindo do Direito, toda minha trajetória passa por instituições financeiras. Acabei me deparando com um cargo na área de fraudes e esse foi o meu primeiro passo para a área em que trabalho hoje: de lavagem de dinheiro.
Hoje faço parte da construção da área de prevenção à lavagem de dinheiro em um banco. Construí os processos dessa área e hoje trabalho com criação de processos e normas para avaliação de funcionários que entram na empresa, como forma de prevenção à lavagem de dinheiro, de acordo com as normas do Banco Central. Construo as políticas e procedimentos do setor.
É muito raro mulheres negras na posição em que estou e na área em que atuo. É um mercado que hoje vem sendo mais divulgado, mas ainda não é tão conhecido. Vejo que tem uma representatividade dentro do que eu faço quando eu conto e as pessoas se surpreendem. Hoje tenho muita consciência das portas que eu estou abrindo pra minha filha de três anos. Porque eu não tive referências de mulheres negras na minha área, mas a minha filha vai ter e vai ter referências de outras áreas. O importante, independente do que ela vai escolher fazer, é que ela tenha essas referências.
Hoje gosto muito de ver que tenho capacidade de ensinar pessoas a fazer o trabalho delas bem feito, e ver que elas são elogiadas por isso. Meu próximo passo é chegar a um espaço de gestão e continuar essa trajetória.
Meu nome é Julia Borges e sou mais uma (Se)mente.
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