Nasci no Alto da Lapa, onde moro até hoje. Meu pai trabalhava com Economia e Contabilidade e minha mãe era dona de casa. Na escola eu era a única menina negra. Tive até problemas por isso. O preconceito começou cedo. Depois de muito tempo apareceu a primeira professora negra da escola, então não tive referências.
Fiz transição capilar 2 vezes. Minha mãe alisava meu cabelo com chapinha baiana (alisava do lado do fogão, usando o fogo). Decidi cortar bem baixinho, mas não gostei. Fiz diversos tipos de relaxamento, mas cansei e assumi os cachinhos.
Quando criança, queria ser professora, e depois fonoaudióloga (tive problemas na fala, aí me interessei). Assistindo um filme, me interessei pela área da Medicina e foi isso que escolhi fazer.
Na faculdade o racismo estava presente, mas era velado. entrei no curso com 16 anos, era difícil lidar com essas situações. Não me sentia no meu lugar. A gente meio que se exclui. Eu sempre me achei tímida, mas hoje vejo que isso tinha outro nome. Não era só timidez, era silenciamento e racismo.
Entrei na faculdade particular de Medicina em 1989. Na época, não via pessoas negras estudando ou dando aula. Hoje em dia isso melhorou, mas ainda é pouco.
Mesmo se uma pessoa negra entrar em Medicina numa faculdade pública, a competição é desigual. Existem outros custos de manutenção que ela deve ter como o material e transporte. Sou uma pessoa privilegiada, porque não tive dificuldades quando criança
Me identifiquei com o curso e não me imagino fazendo outra coisa. Me identifiquei com a Pediatria e depois de me especializar foquei na Reumatologia porque essa área vê a pessoa como um todo. Eu sempre procurei ter uma visão geral do paciente. Fiquei cerca de 15 anos atuando como pediatra geral. Fiz mestrado, doutorado, aí então comecei a atuar como Pediatra com foco em Reumatologia. Também sou professora na São Camilo e na Santa Casa.
Como médica, eu cuido de pessoas. Antes de tudo, a medicina é uma profissão com foco n o cuidado. Claro, o profissional precisa de técnica e conhecimentos, mas também precisa ser cuidadoso. Não se cuida só das crianças, das pacientes. Também cuido das famílias, da mãe, pai, avós.
Se fosse definir o que eu faço, diria que medicina é sobre saúde. Precisamos promover a saúde. Só tratar a doença não funciona. Fico pensando em como será para os mais novos, que estão entrando na área. Existe muita vontade em ser médico para ganhar dinheiro. Sou meio idealista, e acho que a gente tem que se dedicar e cumprir o que a gente se coloca para fazer. Quer ganhar dinheiro? Vá ganhar dinheiro. Mas acho que a gente tem que ter o mínimo de respeito no que a gente faz
Como médica negra, acho necessário ter mais pessoas negras nas coordenações de hospitais e na área da saúde como um todo. Porque existem doenças que essas pessoas tem maior propensão, então quem não vivencia muitas vezes não entende o impacto.
Já tive pacientes que não acreditaram que eu era médica. Chamo a pessoa, ela senta, e pergunta: que horas o médico vai chegar? Nessas horas eu costumo sair da sala e retornar, pra pessoa ver que eu sou a médica.
A minha profissão me proporcionou viagens. Dentro e fora do Brasil. Também recebo um retorno muito legal de pacientes e de mães de pacientes, que é muito legal. Pro futuro tenho uns projetos em mente, como estudar mais sobre a população negra. Quero continuar viajando e conhecendo outros lugares. Dos países que já conheci, mesmo que a trabalho, o meu favorito é a Itália.
Meu nome é Maria Carolina e sou mais uma (Se)mente.
* * *