Vim de uma família de imigrantes, meus pais são são nigerianos e estão no Brasil há mais de 40 anos. Quando penso na minha trajetória profissional, vejo muito meu pai, que é Engenheiro Civil há mais de 40 anos e sempre trabalhou muito, se dedicou muito.
Fui uma criança muito curiosa e esse lado curioso nunca foi podado pelos meus pais. Além disso, como uma menina preta retinta, na infância a maioria dos meus amigos eram meninos, já que nem todas as crianças gostavam de brincar comigo e minha irmã. Brincar sozinha com minha irmã ou com meninos acabou desenvolvendo ainda mais meu lado criativo.
Com 13 anos, conheci uma menina que tinha passado no ensino médio técnico da Unicamp, para o curso de Informática. Minha curiosidade me fez perguntar tudo a ela sobre o processo, e o que eu precisava ter pra entrar também. Descobri que era importante fazer um cursinho preparatório e que era possível ter bolsa; foi assim que consegui entrar. Nesse curso eu aprendi muito sobre possibilidades, quais áreas técnicas existiam, e decidi seguir no curso técnico de Mecânica.
Eram só três mulheres em uma sala de 40 pessoas, eu ouvia piadinhas, e sentia que a cobrança era maior por ser mulher, como se a gente precisasse estudar mais e sempre ter bom desempenho.
Na faculdade de Engenharia Mecânica, o cenário foi bem parecido: em uma turma de 80 pessoas, estava eu e mais 4 mulheres. Pouquíssimas pessoas negras. Nessa época, comecei a pensar o quanto aquele cenário era errado, fui tendo mais consciência de falas problemáticas, contra cotas, por exemplo. Decidi estudar mais sobre esses temas e descobrir como ajudar outras pessoas como eu a fazerem uma trajetória parecida e estarem confortáveis no espaço da universidade – já que nem sempre isso acontecia até com pessoas da própria cidade de Itajubá, onde eu estudava.
Em 2017, no meu último ano de faculdade, me candidatei para mais de 100 processos de estágio, e sabia que queria ir para uma área onde me envolvesse com temas de tecnologia, inovação, empreendedorismo e liderança. Entrei em uma empresa fabricante mundial de eletrodomésticos, em uma área focada em novos produtos. Logo surgiu a oportunidade de liderar projetos com interface em toda América Latina e aprendi espanhol para dar conta desse desafio.
Na época da pandemia, eu sabia que precisava me reinventar para acompanhar um mercado cada vez mais difícil. Comecei a estudar sobre metodologias ágeis e gostei muito daquilo. Foi aí que deixei a Engenharia um pouco de lado e fui migrando para a área de gestão de projetos e produtos. Passei a atuar em uma empresa fazendo a gestão de projetos de software para clientes internacionais.
Foi quando surgiu o programa de trainee de uma grande varejista, voltado exclusivamente para pessoas negras, e vários amigos falaram que era minha cara. Me candidatei sem acreditar muito que fazia sentido pra mim e acabei avançando pelas etapas até chegar na fase final. Foi uma decisão difícil trocar meu emprego pelo programa de trainee, que era de apenas um ano, mas decidi dar esse passo.
Nesse ano como trainee, passamos por todas as áreas da empresa, inclusive lojas, almoxarifado, e uma hora me mandaram para a área de produtos digitais, que era algo que eu já atuava antes de entrar na empresa. Passei a trabalhar com a parte de fintech, máquinas de cartão, pagamentos. E comecei a ver ali naquela área como era possível gerar transformação, para pequenos empreendedores, por exemplo. A gente nessa área pode pensar: “como a gente ajuda esses micro empreendedores a terem uma jornada melhor, a ter gestão financeira do negócio de forma mais simples, prática e acessível?”
Hoje eu percebo que, durante a minha trajetória, várias coisas que fui fazendo e caminhos que escolhi inconscientemente, eu agora consigo trazer conscientemente como bagagem para pensar acessibilidade nos produtos em que trabalho. Eu acredito que meu papel é trazer melhorias na sociedade em que eu estou inserida. E, para isso, é essencial conhecer essa sociedade.
Meu nome é Blessing Ifekaibeya e sou mais uma (Se)mente.
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