Nasci em São Carlos, no interior de São Paulo e lá morei durante a maior parte da vida.
Minha mãe é uma mulher branca, que trabalha como secretária e meu pai é um homem preto, policial militar que se aposentou cedo após um acidente que o deixou com uma deficiência. Durante muito tempo eu não sabia o meu pertencimento racial, não me entendia negra.
Enquanto eu crescia, tive o privilégio de conhecer muitos jovens que se mudavam para São Carlos para fazer graduação e frequentavam a igreja que eu ia com os meus pais. Apesar de não ser uma cidade grande, São Carlos sedia duas das mais importantes universidades do Brasil (USP e UFSCar). Eu costumava me sentar com esse pessoal depois dos cultos e pegar dicas, tirar dúvidas. A sorte de nascer nessa cidade me trouxe esse privilégio, mesmo sendo uma menina negra e pobre.
Sempre tive bolsas nas escolas particulares da cidade e percebia uma realidade bem diferente da minha. Eu normalmente era a única criança negra e já era afetada pelo abismo social.
Eu pegava ônibus, os outros estudantes tinham motorista. Moravam em condomínio fechado, as mães não trabalhavam fora, tinham empregada doméstica. Tudo longe da minha realidade.
No final do Ensino Médio eu já tinha uma ideia do que queria fazer profissionalmente. Considerei tentar Artes Cênicas, mas tinha preocupação com o retorno financeiro. Comecei a visitar Feiras de Profissões e me interessei muito por Engenharia de Materiais porque achava que entender porque os plásticos esticam ou porque o ferro esquenta era uma forma de explicar o universo.
Passei na USP de São Carlos e foi um período bem difícil. O curso era em período integral e eu morava em um bairro mais afastado da faculdade, com a minha avó. Eu precisava pegar o ônibus bem cedinho e chegava em casa tarde, cansada. Mais uma vez as diferenças sociais apareciam.
No segundo ano de faculdade fui escolhida para estudar fora do Brasil, em um programa do governo federal. Eu juntei o dinheiro que ganhava com bolsas-auxílio durante 6 meses e apliquei em um curso para fazer uma prova de proficiência em inglês. Passei com a nota mínima, mas foi esse tempo fora do Brasil que me deu um super impulso na autoconfiança. Além disso comecei a estudar sobre questões raciais e de desigualdade e a me envolver com os movimentos negros.
Saí da faculdade e fiz um estágio em uma indústria de celulose, que ficava em São Paulo. Comecei nessa empresa na área de Logística e depois fui aprovada em um trainee super difícil. Me mudei para a Bahia para trabalhar na fábrica. Lá eu via muitas situações de racismo, que me surpreenderam. Como eu fazia parte do grupo de Diversidade, tomei a liderança e comecei a promover eventos e palestras e isso me ajudou a desenvolver habilidades de Estratégia, Comunicação e Marketing, área que trabalho hoje.
Eu saí da indústria durante a pandemia e fiquei um tempo trabalhando em startups, com Comunicação, até chegar no meu emprego atual, uma ONG que capacita profissionais negros que desejam cursar o MBA na Europa ou Estados Unidos.
Para trabalhar em Comunicação, a principal habilidade é ser desinibido, ou seja, curioso. É importante também se aprofundar em leituras, podcasts, buscar mentorias, ter alguém para te guiar, desenvolver habilidades de fala e escrita. Saber organizar projetos, planilhas, automações é um diferencial que é cada vez mais importante.
Sou grata pelo meu trabalho, que me permitiu coisas que podem parecer até pequenas, como o acesso a gastronomia, viagens e cultura que durante tanto tempo foi algo distante. Esse ano também realizei um grande sonho, que foi levar meus pais para uma viagem internacional.
Para o futuro eu quero fazer um MBA em alguma universidade internacional de renome e depois voltar para o Brasil para empreender com impacto social. Quero dar a oportunidade para outras meninas, outras pequenas Marinas, de sonhar. Meu propósito de vida é devolver para a minha comunidade tudo que foi me dado.
Meu nome é Marina Nascimento e sou mais uma (Se)mente.
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