Desde muito novo eu já sabia que queria trabalhar na área da Saúde mesmo sem saber exatamente o quê. Fui ter certeza aos 14 anos, quando fiz um tratamento para a correção da dentição. Ali eu tomei a decisão: seria dentista. Mas a alegria por ter enfim encontrado um caminho profissional foi interrompida meses depois, quando eu, um menino criado entre o interior de São Paulo e o litoral, sofri um grande baque da vida.
Sou filho de um funcionário da Petrobras e uma professora que havia deixado a profissão. Quando eu tinha apenas 16 anos meu pai faleceu. Além da dor emocional, vi minha mãe voltar ao mercado de trabalho para pagar as contas da casa. Eu era um adolescente negro, de uma família muito simples e agora meu pai tinha morrido. Eu, que agora tinha o sonho de ser dentista, nunca tinha visto um dentista negro na vida. Como conseguiria realizar um sonho desses nesse momento da vida? Não estava sonhando alto demais?
Foi a minha família que me incentivou a continuar seguindo esse sonho. Meu pai me criou ensinando que o estudo é o único caminho para a pessoa conseguir chegar ao sucesso. O sonho dele era fazer Engenharia e, mesmo dominando Matemática e Física, precisou abrir mão dos estudos para trabalhar para ajudar a família. Ele sempre foi a minha inspiração.
Na minha primeira tentativa de entrar na graduação eu só passei nas faculdades particulares. Nenhuma universidade pública. A opção era estudar mais um ano e minha família apoiou. Meti a cara nos livros, me privei de festas e do lazer. E o esforço valeu a pena pois acabei passando em todas as universidades que prestei, dentre elas USP, Unesp e Unicamp, ou seja, alguns dos vestibulares mais concorridos do Brasil.
Eu era a primeira pessoa da família a entrar no ensino superior e agora estava matriculado na USP de Ribeirão Preto.
Todos comemoravam e estavam orgulhosos e eu imaginava os próximos anos como os melhores de minha vida. Mas não foi esse o roteiro. Ali eu vivi a minha pior fase. Senti o pesso do preconceito e da falta de vivência, de conexões, por ser um homem negro, de uma família simples. Meus colegas de turma eram todos de famílias abastadas. Durante 4 anos de graduação eu era o único estudante negro e sentia muita solidão.
Apesar da dor de ser o único e das situações de discriminação, eu consegui concluir a graduação. Fiz a iniciação científica atuando em um laboratório apenas para confirmar que aquela não era a minha vocação. Queria mesmo era o consultório, atender pessoas. E fui direcionando a minha carreira para a Saúde Pública enquanto concluía também o mestrado e doutorado.
Atuei durante 3 anos no Ministério da Saúde em Brasília, ajudando a construir políticas públicas para a população negra e LGBTQIAPN+, por exemplo. No retorno a São Paulo fui contratado por hospitais de referência, como o Hospital Alemão Oswaldo Cruz trabalhando como gestor. Ao mesmo tempo passei a dar aulas em universidades de Sao Paulo.
Ser a única pessoa negra e uma das poucas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ fez com que eu me aproximasse da pauta de Diversidade e Inclusão. Passei a ser um defensor dessas bandeiras no ambiente de trabalho, entendendo que a oportunidade faz diferença. E que só a união das pessoas negras pode mudar o jogo para cobrar mais oportunidades. Fora do Brasil, nos EUA, os negros colaboram muito entre si. Tenho conhecidos que me contam isso. Aqui ainda temos essa dificuldade.
Sou um realizador, um guerreiro e um sonhador de novos futuros.
Meu nome é Sidney Marcel e sou mais uma (Se)mente.
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