Nasci na Casa Verde, Zona Norte. Tenho um irmão mais velho e a gente se vê muito pouco, porque ele mora fora há anos.
Demorei pra pensar no que eu queria fazer como profissão. Sabia que queria trabalhar com outras culturas. Meus pais não criaram a gente com consciência social, e na época, não se falava sobre isso. Também não era comum que pessoas como nós fossem orientadas a trabalhar com o que gostam. Hoje é diferente. Em casa tratamos esse tema com tanta naturalidade e leveza que minha filha mais nova, por exemplo, já disse que quer ser “motoboy, porque eu gosto de motos e gosto de pizza”. Lógico que ela ainda é nova pra decidir e a gente riu muito, mas é outra forma de pensar.
Estudei Turismo na faculdade e foi bom para mim em vários sentidos. Naquele tempo dizia-se que Turismo era a profissão do futuro. Tive vivências diferentes, como eu queria, e a área me abriu muitas portas.
Meu primeiro estágio foi na Disney, vendendo hot-dog em uma banquinha. Depois trabalhei como camareira em um navio. Foi bem legal, mas era puxado. Trabalhava das 7h às 15h, depois das 18 às 22h, todos os dias. Voltei para o Brasil e continuei trabalhando em navio. Depois trabalhei com hotelaria, aqui em São Paulo.
Quando a minha filha nasceu, eu não sabia o que eu ia fazer, porque trabalhava das 00hs às 6h. Era mãe solo e não sabia fazer mais nada. Mas consegui um trabalho como secretária, e isso também me abriu novas portas. Trabalhei em boas empresas, como a Siemens. Comecei como secretária mesmo e depois fui pra área de Vendas. Ser CLT era bom para mim, por causa dos benefícios, principalmente sendo mãe. Mas chegou um momento em que isso não fazia mais sentido para mim. Casei, tive outra filha, e voltei a refletir sobre o que eu gostaria de fazer, porque meus dias não estavam sendo diferentes. Eu pensava em fazer outras coisas, mas criava impedimentos para mim mesma.
Decidi parar de olhar para mim e comecei a reparar ao meu redor. O que me incomodava? O sistema que estava errado?
Eu estava tendo burnout, trabalhava longe e voltava de carro chorando para casa. Ficava 4h no carro, todos os dias.
Na pandemia, usei esse tempo para estudar. Quando as coisas normalizaram, após a pandemia, eu já não era a mesma pessoa. Saí da empresa que eu estava, peguei o dinheiro que havia ganhado e comprei uma casa. Em 2020 decidi mentorar pessoas e abri a minha empresa, a Mentes Plurais. Empreender não é fácil, não tem nada de romântico. No início, em um momento de maior dificuldade e medo, eu cogitei trabalhar como motorista em aplicativo para complementar a renda, mas não foi necessário. Depois de tanto investimento de tempo e espera, vi a empresa começar a girar.
Como negros, a gente precisa furar a nossa bolha e se organizar. Ainda perdemos tempo medindo o tom de pele ao invés da gente discutir mudanças. Uma vez palestrei em um congresso que tinha mais de 400 advogados. Somente 3 se identificaram como negros quando perguntei. Por isso a gente precisa se organizar. Quero que minhas filhas tenham um mundo diferente do que eu tive. Estou aqui para fazer a mudança.
Sou a Camila Inácio, mulher negra, empreendedora, mãe de duas garotas e sou uma (Se)mente.
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