Nasci em São Paulo e fui criada pela minha mãe, que veio pro estado fugida de um casamento arranjado e abusivo. Na minha infância, sempre gostei de desenhar e falava que queria ser arquiteta. Costumo dizer que o universo foi moldando os caminhos da minha vida.
Meu primeiro momento de mudança radical foi quando comecei a estudar em um colégio interno, ainda na infância. Era um colégio para crianças que os pais não tinham condições de cuidar, mas minha mãe não sabia disso. Eu tinha cabelo crespo comprido e nessa escola eles cortaram meu cabelo muito curto. O sofrimento e o impacto desse momento foi grande, pra mim e pra minha mãe, a ponto dela me tirar desse colégio.
Aos 10 anos, eu já vinha de Osasco, muitas vezes sozinha, para estudar no centro de São Paulo. Enquanto isso, minha mãe trabalhava na construção de um shopping da região. Fui ganhando independência e, à medida que ia crescendo, trabalhei em funções de auxiliar de escritório, vendedora, datilógrafa. Foi então que, em 1995, passei para um concurso público para ser Auxiliar de Desenvolvimento Infantil em um Instituto de Infectologia.
Quando comecei a descobrir e visualizar as possibilidades de quem eu poderia ser e do que poderia fazer como profissional, eu me descobri naquele universo.
Ao longo da minha carreira lá, eu tinha muitas ideias de criação, mas não podia colocar em prática porque não tinha formação. Tinha criatividade e ideias, mas não tinha a teoria. Para conseguir esse espaço, fui incentivada a cursar Pedagogia. Nós, enquanto pessoas negras, perdemos muito porque a todo momento precisamos nos auto afirmar, provar que que somos capazes, que conseguimos dar conta.
Estudando e trabalhando nesse instituto, comecei a desenvolver uma investigação com jovens que tratavam HIV por transmissão vertical, para desenvolver estratégias específicas para os adolescentes que eram atendidos ali, com objetivo de fazer com que eles se sentissem vivendo uma vida de mais qualidade. Em 2014, o que começou com esse projeto se tornou a primeira fundação de HIV e Aids do Brasil.
Em 2019, fui selecionada como uma das profissionais que fizeram trabalho de impacto, fui para Alemanha e fiz uma imersão em políticas públicas. Hoje fico feliz de ver a regulamentação da minha profissão de Pedagoga Hospitalar. Mesmo com injustiças e dificuldades pelo caminho, tenho convicção que o meu legado está nas histórias de jovens que conseguiram ter motivação para viver, ingressar nas carreiras que sonhavam, constituir família.
Meu nome é Sandra Conceição dos Santos, sou Pedagoga Hospitalar e sou mais uma (Se)mente.
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